O CRIME DE TORTURA PELA CORRENTE UTILITARISTA

 

 

 

          Torturar. Comecemos a presente matéria definindo o vocábulo tortura. Segundo o dicionário Michaelis, tortura significa:


tortura 

tor.tu.ra 
sf (lat tortura1 Ato ou efeito de torturar. 2 Dobra, curvatura, volta tortuosa.3 Angústia, dor, sofrimento, suplício, tormento. 4 Tormento que se infligia a um acusado para conseguir dele certas respostas ou denúncias. 5 Lance difícil; apertos. 6 Embaraço, esforço. 7 Tortuosidade. [1]

 

 

       Nesse passo, como bem acima definido, tortura é toda crueldade, seja física ou moral cometida em face do ser humano. Como é sabido, após a segunda guerra mundial, os chefes das Nações, preocupados com as atrocidades que foram cometidas contra a pessoa humana, durante a primeira e segunda mundial decidiram editar normas de proteção aos Direitos Humanos, para que daquele dia em diante, o ser humano deixasse de ser tratado como um objeto.

 

       Assim, em 1948 foi promulgada a Carta das Nações Unidas como o primeiro passo para a proteção da humanidade, sendo em seguida em 1948 aprovada a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, a qual foi garantir os direitos individuais da pessoa humana.

 

       Por sua vez, em 1984 foi concluído e assinado a primeira Convenção Internacional específica contra a prática da Tortura, ou seja, a Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes. Assim, o artigo 1o da presente Convenção assim definiu o vocábulo tortura.

 

“Artigo 1º - Para fins da presente Convenção, o termo "tortura" designa qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de terceira pessoa, informações ou confissões; de castigá-la por ato que ela ou terceira pessoa tenha cometido ou seja suspeita de ter cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza; quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com o seu consentimento ou aquiescência. Não se considerará como tortura as dores ou sofrimentos que sejam consequência unicamente de sanções legítimas, ou que sejam inerentes a tais sanções ou delas decorram.

O presente artigo não será interpretado de maneira a restringir qualquer instrumento internacional ou legislação nacional que contenha ou possa conter dispositivos de alcance mais amplo.”[2]

 

   Por sua vez, o Brasil é signatário da Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, ratificada pelo Brasil em 20 de julho de 1.989, ou seja, somente após a promulgação da Constituição Federal de 1988, cujo artigo 5o introduziu os Direitos e Garantias Fundamentais Individuais e Coletivos, sendo que, o inciso III expressamente determinou que ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante.  Veja que somente após o regime da ditadura militar (1964-1985) época onde ocorreram muitas torturas foi que o Brasil decidiu positivar a proibição da tortura, bem como ratificar a citada convenção interamericana de prevenção a tortura.

 

 Posteriormente foi sancionada no Brasil a Lei 9.455 de 07 de abril de 1997, e em 02 de agosto de 2013 foi sancionada a Lei 12.847, que instituiu o sistema nacional de prevenção e combate a tortura, dentre outras disposições, cujo sistema foi regulamentado pelo decreto 8.154 de 16 de dezembro de 2013.

 

Por outro lado, após o famigerado atentado terrorista ocorrido em 11 de setembro de 2.001 nos Estados Unidos, realizado pela organização terrorista (fundamentalista islâmica al-Qaeda) parte da população mundial, que antes era contra o crime de tortura, passou a admitir a pratica dessa perversidade e ilicitude em determinados casos, como por exemplo, no caso do citado atentado terrorista.

 

Como é sabido, nesse atentado terrorista, morreram cerca de três mil pessoas, incluindo os 227 civis e os 19 sequestradores a bordo dos aviões. Segundo informações, a maioria das vítimas eram civis, incluindo cidadãos de mais de 70 países, sem computar ainda, as doenças pulmonares que sobrevieram para algumas pessoas, devido a exposição da poeira e fumaça.[3]

 

 Sem dúvida alguma, esse atentado terrorista e o crescimento do número dos crimes praticados contra a liberdade sexual, o crescimento dos crimes praticados por motivo fútil contra inocentes, e contra os vulneráveis (crianças, idosos e mulheres), o crimes cometidos pelas facções criminosas (no Brasil – queima dos veículos de transporte público – ataque contra policiais) passou a fomentar a intolerância das pessoas, as quais começaram a admitir a possibilidade da prática do crime de tortura, para impedir a ocorrência de novos atentados terroristas, e para salvar inúmeras pessoas indetermináveis e indeterminadas.

 

Pode-se citar como exemplo hipotético, a informação de que uma única pessoa sabe que ocorrerá um atentado terrorista contra um hospital em uma grande cidade, no qual em cerca de 3 horas será detonado um explosivo capaz de matar e ferir uma grande quantidade de pessoas. Nesse caso, parte da população admite a possibilidade de torturar esse cidadão, para que ele informe às autoridades o local onde a bomba foi instalada, para que esse artefato explosivo possa ser desarmado a tempo e evitar uma nova tragédia.

 

Esse entendimento é explicado pela filosofia utilitarista, a qual em síntese, defende os interesses coletivos em detrimento do indivíduo. Esse entendimento é cada vez mais crescente junto a sociedade, o qual inclusive é aplicado pelo Judiciário, a fim de pacificar as relações sociais.

 

Do ponto de vista do direito positivo, o entendimento utilitarista é totalmente inadmissível, pois diante de toda a legislação supracitada, esse crime é inadmissível, porém, do ponto de vista filosófico e Jurisprudencial, é perfeitamente cabível, razão pela qual, cada vez mais a filosofia e o direito se entrelaçam para pacificar as relações sociais.

 

Outra hipótese; os defensores da inadmissibilidade da pratica do crime de tortura, para salvar a vida da própria filha ou de um ente querido mudariam de opinião? Certamente mudariam, mas nesse exemplo hipotético, não estaríamos aplicando o entendimento filosófico utilitarista, mas sim, os interesses individuais de cada pessoa, por isso, os utilitaristas também não admitiriam a pratica da tortura para satisfazer interesses individuais ou de um pequeno número de pessoas.

 

Por fim, quero consignar que, não sou a favor do crime de tortura, e deixo o presente texto, para cada leitor extrair suas próprias conclusões sobre a aplicação ou não do utilitarismo aos crimes de tortura, bem como a aplicação ou não em outros casos polêmicos, como por exemplo, da doação de órgãos, do direito da imagem, e demais violações dos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos, ou seja, se existe ou não direito absoluto que não possa ser derrubado em prol da coletividade em detrimento do individual.

 

AUTOR:

 

Cláudio Roberto Barbosa Bueloni

 

Advogado em São Paulo – SP. Mestrando em Direito Difuso e Coletivo pela Universidade Metropolitana de Santos. Pós Graduado em Direito Tributário pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pós Graduado em Administração de Empresas pela Fundação Armando Alvares Penteado. Bacharel em Direito pela Universidade Paulista. Técnico em Contabilidade pela Fundação Escola do Comércio Alvares Penteado

 

 



[1] http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-portugues&palavra=tortura

[2] Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes.

[3] http://pt.wikipedia.org/wiki/Ataques_de_11_de_setembro_de_2001